Tenho uma amiga que diz que sou romântica. Muitas vezes, sinto que ajo como se não fosse, talvez numa tentativa fustrada de me convencer de que não sou. Entendeu?
O que me deu vontade de escrever hoje não trata diretamente da minha filha ou da maternidade, mas é algo que tenho vontade de contar pra mim mesma.
Há quase 4 anos, estava eu numa daquelas relações "vai-não-vai-mas-sabe-se-lá", mas algo que aconteceu no meio daquela indecisão me marcou muito. Me considero um tanto cínica com relações amorosas e expectativas românticas. Não existe relação sem dificuldade, ou obstáculo, e quanto mais realistas formos, mais possível é encontrar alguém com quem possamos ser felizes, certo?
Um dia, durante o festival de teatro de Curitiba em 2006 fui assistir uma peça no Guairão, acompanhada de alguns amigos. Quem conhece Curitiba sabe que o Guairão é um teatrão, tem uns 2.000 lugares e estava eu nas últimas fileiras da platéia quando fitei uma conhecida, acompanhada de uma desconhecido lá longe perto do palco.
Comentei com uma amiga do lado: "Nossa, com quem está a fulana ali?"
"Ah, acho que é de fora..."
Sei que não consegui tirar a imagem daquela pessoa da cabeça. Mesmo de tão longe, conseguindo identificar tão poucas características, algo me impressionou e nem entendi por quê. Quando acabou a peça fiquei tentando acompanhar a pessoa com os olhos mas a multidão impediu.
Dias depois aconteceu a tradicional "Festa do Café do Teatro" e quem faz teatro em Curitiba sabe da loucura. Achei o sujeito e vi que tínhamos alguns amigos em comum ali. Como qualquer mulher que quer chamar atenção apelei para as brincaderinhas, comentáriozinhos, risadinhas, etc. Nada do sujeito corresponder, falou comigo até...mas nada de interesse mútuo. Acabando a festa, estava ele sozinho, levemente embriagado, quase pegando um táxi para o lugar onde estava hospedado.
Kaley cheia de segundas intenções: "Poxa, tô de carro aí, moro pro mesmo lado, você não quer uma carona?"
"Não imagina, tô tranquilo, vou pegar um táxi mesmo."
Indisposta a agarrar o sujeito, me considerei derrotada e fui pra casa impressionada com minha falta de eficiência. Alguns dias depois, ainda rolando a muvuca do festival, encontrei uns amigos bebendo ali no Sal Grosso (point de boêmios) e milagrosamente lá estava o tal! Não só lembrou de mim, como me cumprimentou com um abraço e foi simpaticíssimo. Olha, quem sabe não fui tão ineficiente assim!
Conversa vai e vem, ficou uma galera reunida e a gente não se desgrudava. Logo, começou ELE a jogar indireta. Aí já não tinha mais jeito...Não tinha como não ficar apaixonada por aquele ser. Pequeno detalhe: faltavam 4 horas para ele pegar um ônibus e voltar para a cidade onde morava, à apenas 1.718km de Curitiba.
"Deixa queito" pensei. O probelma era fazer isso na prática. Ficamos uns 3 meses nos falando TODO DIA por telefone. Horas de conversa e o assunto não acabava. Consequentemente, a minha relação "vai-não-vai-mas-sabe-se-lá" acabou tomando um rumo, resolvemos "casar" e falei com o tal à 1.718km de distância que não tinha mais porque conversarmos. Arrasada, mas a decisão precisou ser tomada. Por que iria trocar o incerto à 1.718km por alguém que estava do meu lado?
Passou um ano e a concretizada "vai-não-vai-mas-sabe-se-lá" acabou de forma definitiva. Coincidentalmente, o meu platônico à 1.718km de distância estava de viagem marcada para Curitba novamente em poucos meses. Lembro que passaram mil idéias pela cabeça. Tinha passado 4 horas com a pessoa ao vivo, será que 3 meses de conversa por telefone e emails contavam? Será que a mesma sensação de antes existiria ainda um ano depois?
Ele passou 7 dias em Curitiba. Acabei trabalhando com ele e foram 7 dias sem desgrudar. Trabalhamos o dia todo, a noite curtimos festas, amigos, peças. Somos bem sociáveis nós dois, e algumas amigas me disseram que ele parecia Kaley em versão masculina. Algumas vezes lembro que voltava para meu quartinho no pensionato trash que morava no Largo da Ordem e o coração doía que parecia que estava longe dele há anos. Dormia num colchão de espuma amassada, fina, de uns 60cm de largura e um dia foi tão absurdamente difícil nos separarmos que ele foi pra lá dormir comigo!
Mas o que são 7 dias? Passou voando. Demorado foi o luto da separação. Tudo me lembrava dele. Não tinha mais o acesso ao telefone ou à internet como tinha antes e nosso contato ficou limitado. Qualquer bar, teatro, rua, esquina, restaurante...qualquer lugar por onde eu tivesse passado com ele virou memorial. Passei um mês anestesiada do resto do mundo.
Com tempo a saudade dolorida e sofrida sara um pouco e dá lugar aquela saudade permanente com a qual vivemos, felizes, mas sempre com um vaziozinho. Ele não voltou mais à Curitiba. Quase voltou, mas não conseguiu.
Qual a moral da história? Alguém já leu 'Brida' de Paulo Coelho? Não li nenhum outro livro dele, não é bem o meu gosto...mas BRIDA conta uma história de amor que parece explicar o que aconteceu comigo. Não acredito no blá blá blá alquimista, mas vejam:
"Fazemos parte daquilo a que os alquimistas chamam (...) a Alma do Mundo - disse Wicca, sem responder a Brida. - Na verdade, se a Anima Mundi se dividisse apenas, ela estaria a crescer, mas também a ficar cada vez mais fraca. Por isso, assim como nos dividimos, também nos reencontramos. E este reencontro chama-se Amor. Porque quando uma alma se divide, ela divide-se sempre numa parte masculina e numa parte feminina. (...) Os seres humanos estão todos interligados (...). Em cada vida temos a misteriosa obrigação de reencontrar, pelo menos, uma dessas Outras Partes. O Amor Maior, que as separou, fica contente com o Amor que volta a uni-las.
- E como posso saber quem é a minha Outra Parte? (...)
-Era possível conhecer a Outra Parte pelo brilho dos olhos - assim, desde o ínicio dos tempos, as pessoas reconheciam o seu verdadeiro amor. (...)
- Correndo riscos - disse a Brida. - Correndo o risco do fracasso, das desilusões, mas nunca deixando de procurar o Amor. Quem não desistir da procura, vencerá. (...)
- Podemos encontrar mais de uma Outra Parte em cada vida?
-"Sim", pensou Wicca, com uma certa amargura. E quando isso acontece o coração fica dividido e o resultado é dor e sofrimento. (...)A essência da Criação é uma só - disse. - A essa essência chama-se Amor. O Amor é a força que nos une de volta, parta condensar a experiência espalhada em muitas vidas, em muitos lugares do mundo. (...)...somos responsáveis por reunir, pelo menos uma vez em cada encarnação, a Outra Parte que com certeza irá cruzar-se no nosso caminho. Mesmo que seja, apenas, por instantes; porque esses instantes trazem um Amor tão intenso que justifica o resto dos nossos dias."
Digo que minha curta, e talvez alguns julguem ingênua, experiência foi tão intensa, que afirmo ter visto o tal brilho. Pode ser que eu não encontre mais essa pessoa, pode ser que a encontre mais não fique com ela... A verdade é que essa experiência me faz ter fé na capacidade humana de amar. Esse ser me fez acreditar numa felicidade terrena que não julguei possível, pois os poucos dias que deram fruto à essa relação nada convencional que dura há quase 4 anos preenche um vazio inexplicável. Guardo essa pessoa tão perto de mim, apesar de toda distância, e independente do que acontecer terá sempre um lugar especial.
Agora, tenho uma filha! O que mais posso querer nessa vida!? Sou 100%, acreditem.